Categorias
Artigos Jurídicos

Os reflexos da sentença penal na esfera jurídica cível e administrativa

THE SENTENCE OF CRIMINAL CONSEQUENCES IN BALLS CIVIL AND ADMINISTRATIVE

Valmir Jorge Comerlatto*[1]

Resumo: Este artigo é uma pesquisa bibliográfica, com objetivo de delinear quais os reflexos da sentença penal, e penal militar, nas esferas cível e administrativa, à luz da legislação, doutrina e jurisprudência pátrias. Vislumbra identificar quando a decisão judicial pode interferir ou vincular a administração, indicar novos rumos aos operadores do direito. É comum, pois, servidores públicos responderem a procedimentos administrativos e criminais, concomitantemente, pelo mesmo fato. E, como regra geral, a mesma ocorrência pode gerar responsabilização na esfera criminal, civil, e refletir na seara administrativa. Não há dúvida quanto a responsabilização cível, para reparação do dano em caso de condenação criminal, e, até mesmo em caso de absolvição, já que os objetivos jurídicos buscados são diversos. E, também, não há interdependência absoluta das esferas judiciais. A jurisprudência pátria se inclina no sentido de fazer valer na seara administrativa, as decisões absolutórias criminais, numa interpretação extensiva da norma, o que parece salutar, já que muitas injustiças se têm perpetuado naquela seara.

Palavras-chave: jurisprudência, reflexos, responsabilização, sentença.

Abstract: This article is a bibliographical research, in order to outline what the effects of the criminal sentence, and military criminal, civil and administrative spheres in the light of the legislation, doctrine and jurisprudence homelands. Envisions identify where the decision may interfere or link management, indicate new directions to jurists. It is common, for civil servants respond to administrative and criminal procedures concurrently on the same facts. And, as a rule, the same occurrence can generate accountability in the criminal sphere, civil, administrative and reflect the harvest. There is no doubt the civil liability for compensation for damage in case of a criminal conviction, and even in the event of acquittal, since sought legal objectives are different. And also, there is no absolute interdependence of judicial spheres. The country jurisprudence leans towards enforce the administrative harvest, criminal acquittals decisions, a broad interpretation of the rule, which seems beneficial, since many injustices have been perpetrated in that harvest.
 
Keywords: jurisprudence, reflexes, accountability, judgment.
 
 
 
 
 

INTRODUÇÃO

O presente artigo trata dos reflexos da sentença penal nas esferas cível e administrativa.

Sem dúvidas é um tema tempestuoso, eis que aborda aspectos que podem interferir na credibilidade dos Poderes Executivo e Judiciário, e conduzir os operadores do direito para outro rumo, nas suas tomadas de decisões.

Não raras vezes, pois, servidores públicos respondem a procedimentos administrativos, por fatos capitulados como crime, e, ao mesmo tempo respondem a processo penal, ou penal militar, pelo mesmo fato, motivo pelo qual este estudo é de relevante interesse para os operadores do direito e servidores públicos.

Assim, por meio desta pesquisa pretende-se elucidar o tema à luz do ordenamento pátrio, com base na doutrina e jurisprudência, verificar a real independência das esferas administrativas e judicial, identificar quando a decisão judicial pode interferir ou vincular a administração, além de indicar novos rumos para os juristas e jurisdicionados.

Para melhor nortear o leitor dividiu-se o trabalho de pesquisa, que foi eminentemente bibliográfico, em 05 seções, sendo que na primeira tratou-se de conceituar a sentença penal, com base na norma e doutrina; na segunda seção abordou-se os requisitos da sentença penal, à luz da norma processual penal e penal militar, vigentes no Brasil.

Já na terceira seção discorreu-se sobre os efeitos da sentença penal ou penal militar absolutória e condenatória, de maneira geral, com base no Código de Processo Penal e no Código de Processo Penal Militar. E, na quarta seção, tratou-se dos efeitos da sentença penal e penal militar na seara administrativa, baseado na norma doutrina e jurisprudência pátrias.

E, por derradeiro, na quinta seção, trabalhou-se a respeito da repercussão da sentença penal, e penal militar, na seara administrativa, com lastro na norma, doutrina e jurisprudência, apontando novas tendências.

Portanto, tendo-se cumprido os objetivos propostos, sem a audácia de esgotar o assunto, pode-se afirmar que o tema estudado é vultuoso, em evidência no direito brasileiro, e, com a leitura deste artigo, possibilitar-se-á compreender por que o assunto se encontra em espontâneo desenvolvimento.

1. CONCEITO DE SENTENÇA PENAL

A sentença penal, prevista no art. 381 do CPP (Código de Processo Penal), com análoga disposição no art. 438 do CPPM (Código de Processo Penal Militar), quanto a sua natureza jurídica é um ato de jurisdição, pelo qual o juiz põe fim ao processo, consumando a função jurisdicional do estado, ao aplicar a lei ao caso concreto.

Em sentido amplo a sentença “é um pronunciamento da autoridade judiciária no decorrer da relação processual, abrange as decisões interlocutórias, definitivas, além das decisões de 2º grau da jurisdição e os acórdãos.”[2]

Já em sentido estrito, ou próprio, “é a sentença definitiva, a decisão final de mérito de primeira instância, que o juiz profere solucionando a causa.”[3]

Para Guilherme de Souza Nucci:

Sentença é a decisão terminativa do processo e definitiva quanto ao mérito, abordando a questão relativa à pretensão punitiva do Estado, para julgar procedente ou improcedente à imputação. É a autêntica sentença, tal como consta do artigo 381 do Código de Processo Penal, vale dizer, o conceito estrito da sentença.[4]

Cabe destacar, ainda, que sentença definitiva, “é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução[5]”, conforme art. 203, § 1º”, do CPC (Código de Processo Civil).

Pode-se concluir, então, que a sentença é a concretização da função jurisdicional, levada a efeito em decorrência do exercício da jurisdição, por meio do processo, e tem por escopo dizer o direito em cada caso concreto.

2. REQUISITOS DA SENTENÇA PENAL

O art. 381, do CPP, estabelece que: 

Art. 381. A sentença conterá:

I – os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;

II – a exposição sucinta da acusação e da defesa;

III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

IV – a indicação dos artigos de lei aplicados;

V – o dispositivo;

VI – a data e a assinatura do juiz.[6]

No CPPM, os requisitos da sentença estão elencados no art. 438, que assevera:

Art. 438 – A sentença conterá:

a) o nome do acusado e, conforme o caso, seu posto ou condição civil;

b) a exposição sucinta da acusação e da defesa;

c) a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

d) a indicação, de modo expresso, do artigo ou artigos de lei em que se acha incurso o acusado;

e) a data e as assinaturas dos juízes do Conselho de Justiça, a começar pelo presidente e por ordem de hierarquia e declaração dos respectivos postos, encerrando-as o auditor.

§ 1º – Se qualquer dos juízes deixar de assinar a sentença, será declarado, pelo auditor, o seu voto, como vencedor ou vencido.

§ 2º – A sentença será redigida pelo auditor, ainda que discorde dos seus fundamentos ou da sua conclusão, podendo, entretanto, justificar o seu voto, se vencido, no todo ou em parte, após a assinatura. O mesmo poderá fazer cada um dos juízes militares.

§ 3º – A sentença poderá ser datilografada, rubricando-a, neste caso, o auditor, folha por folha.[7]

Referidos requisitos, se não observados pelo juízo, culminarão com a nulidade da sentença por falta de formalidade essencial, conforme preceito do art. 564, IV, do CPP e art. 500, IV, do CPPM.

Já no Juizado Especial Criminal, que é regrado pela lei 9.099/95, buscou-se desburocratizar a justiça, garantindo a economia processual, razão pela qual, em exceção ao artigo 381, II, do CPP, dispensou-se o relatório, no art. 81, § 3º, ao estabelecer que “a sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz.[8]

Cabe destacar, que de todas as partes componentes da Sentença Penal a fundamentação ou motivação é uma obrigação do juiz, consistente na indicação, de maneira lógica, dos motivos de fato e de direito que o levaram a tomar a decisão (art. 381, III, CPP).

Ou seja: o juiz deve abordar toda a matéria levantada pela acusação e pela defesa, sob pena de nulidade, pois é uma garantia constitucional a fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF).

Já a conclusão ou dispositivo, consiste solução dada ao caso concreto, contendo o juízo (condenatório ou absolutório) e indicando os artigos de lei aplicados, bem como especificando as sanções impostas (art. 381, IV e V), sob pena de nulidade.

3. EFEITOS DA SENTENÇA PENAL

Publicada a sentença o juiz esgota o seu ofício, entregando a tutela jurisdicional, não lhe sendo mais permitido modificar a decisão, a não ser nos casos expressos em lei (erro material).

Assim, a sentença tem como consequência a saída do juiz da relação processual. Caso haja recurso, o novo juiz natural da causa passa a ser o tribunal ad quem, com a ressalva de que se o juiz for promovido, e passar a tutar no tribunal, fica impedido de funcionar como órgão de jurisdição no processo em que atuou na instância inferior, conforme previsão do art. 252, III, do CPP.

Ocorre, ainda, o denominado efeito autofágico da sentença, com a decisão que estatui pena que, após o trânsito em julgado, gerará a prescrição retroativa. A sentença traz em seu bojo elemento que a levará à destruição.

Cabe ressaltar, ademais, que sentenças definitivas são as que solucionam a lide, julgando o mérito da causa.

Essas podem ser condenatórias, se procedente, total ou parcialmente, a pretensão punitiva; ou absolutórias, quando não acolhem o pedido de condenação. 

As sentenças absolutórias podem ser próprias, quando simplesmente absolvem o acusado; ou impróprias, quando rejeitam a pretensão punitiva, mas reconhecem a prática da infração penal e impõem ao réu medida de segurança.

O que importa, neste estudo, são os feitos que se dão nas outras searas do direito, após o transito em julgado da sentença, a depender do resultado desta.

3.1. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

No processo penal comum a sentença absolutória tem previsão no art. 386, do CPP, ipsis litteris:

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva,

desde que reconheça:

I – estar provada a inexistência do fato;

II – não haver prova da existência do fato;

III – não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Parágrafo único.  Na sentença absolutória, o juiz: I – mandará, se for o caso, pôr o réu em liberdade; II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas; 266 III – aplicará medida de segurança, se cabível.

Já no processo penal militar comum a sentença absolutória tem previsão no art. 439, do CPPM, in litteris:

Art. 439 – O Conselho de Justiça absolverá o acusado, mencionando os motivos na parte expositiva da sentença, desde que reconheça:

a) estar provada a inexistência do fato, ou não haver prova da sua existência;

b) não constituir o fato infração penal;

c) não existir prova de ter o acusado concorrido para a infração penal;

d) existir circunstância que exclua a ilicitude do fato ou a culpabilidade ou imputabilidade do agente (arts. 38, 39, 42, 48 e 52 do Código Penal Militar);

e) não existir prova suficiente para a condenação;

f) estar extinta a punibilidade.

§ 1º – Se houver várias causas para a absolvição, serão todas mencionadas.

§ 2º – Na sentença absolutória determinar-se-á:

a) pôr o acusado em liberdade, se for o caso;

b) a cessação de qualquer pena acessória e, se for o caso, de medida de segurança provisoriamente aplicada;

c) a aplicação de medida de segurança cabível.

3.2. SENTENÇA CONDENATÓRIA

No processo penal comum a sentença condenatória tem previsão no art. 387:

Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

I – mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja existência reconhecer;

II – mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;

III – aplicará as penas de acordo com essas conclusões;

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

V – atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título Xl deste Livro;

VI – determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1º, do Código Penal).

Parágrafo único.  O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

E no processo penal militar sentença condenatória tem previsão no art. 440:

Art. 440 – O Conselho de Justiça ao proferir sentença condenatória:

a) mencionará as circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na fixação da pena, tendo em vista obrigatoriamente o disposto no art. 69 e seus §§ do Código Penal Militar;

b) mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no citado Código, e cuja existência reconhecer;

c) imporá as penas, de acordo com aqueles dados, fixando a quantidade das principais e, se for o caso, a espécie e o limite das acessórias;

d) aplicará as medidas de segurança que, no caso, couberem.

Obviamente cabe recurso da sentença condenatória, sendo que o prazo para recurso começa a correr a partir da última intimação, não importando se o réu ou seu defensor seja o último a ser intimado.

4. EFEITOS DA SENTENÇA PENAL NA ESFERA CÍVEL

Prima facie, faz-se necessário algumas breves considerações acerca da teoria geral do processo, precipuamente no que tange à independência da jurisdição, com o propósito de verificar qual é a responsabilidade civil do autor do ilícito penal. 

É preciso, para tanto, percorrer os meandros do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal e Penal Militar.

No tocante a jurisdição, pode-se dizer que decorre do poder soberano do estado, e é una. Não obstante, doutrinariamente é dividida, para efeitos didáticos, de divisão de trabalho e de competência, da seguinte forma: a) jurisdição penal ou civil; b) especial ou comum; c) superior ou inferior; d) jurisdição de direito ou de equidade.

Assim, a correlação existente entre a jurisdição cível e penal, o que importa, nesta seção, é a classificação da jurisdição pelo critério de seu objeto, no que tange a jurisdição penal e civil.

Antonio Carlos de Araújo Cintra leciona que: 

A distribuição dos processos segundo esse e outros critérios atende apenas a uma conveniência de trabalho, pois na realidade não é possível isolar-se completamente uma relação jurídica de outra, um conflito interindividual de outro, com a certeza de que nunca haverá pontos de contato entre eles. Basta lembrar que o ilícito penal não difere em substância do ilícito civil, sendo diferente apenas a sanção que os caracteriza.[9]   

A questão, porém, é pontuar quais os reflexos que uma sentença penal pode trazer para a jurisdição cível, a partir o desfecho de cada processo penal.

4.1. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

Não é somente a sentença penal condenatória que reflete no cível, mas também a sentença absolutória pode produzir os seus reflexos.

Conforme supra exposto na seção 3.1, a absolvição pode se dar com base no art. 386 do CPP, no processo comum, ou no art. 439 do CPPM, para o processo penal militar.

Cada inciso do art. 386, do CPP, regula a disciplina da sentença penal absolutória, e os seus reflexos em relação à Justiça Civil. 

4.1.1. PROVA DA INEXISTÊNCIA DO FATO 

A absolvição pela prova da inexistência do fato está prevista no art. 386, I, do CPP, e art. 439, “a” do CPPM,

Para elucidar esse dispositivo vale-se de um clássico exemplo, no qual o agente é acusado de homicídio e, de repente, a pseudovítima reaparece totalmente íntegra fisicamente, ou seja, não está morta.

Pelo exemplo acima, fica fácil perceber que a sentença penal absolutória, pela inexistência do fato, reflete diretamente no Juízo Cível, pois seria contraditório o juiz penal afirmar que o fato não existiu e, ainda assim, o juiz do cível dizer que o fato existiu, porquanto essa absolvição impossibilita o ajuizamento da ação civil ex delicto, necessária para a busca da reparação do dano. 

4.1.2. AUSÊNCIA DE PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO 

Nessa hipótese, o fato delituoso pode até ter ocorrido, mas não houve dentro do processo um perfeito esclarecimento. 

Mirabete menciona dois exemplos que retratam dessa premissa. No primeiro, diante da acusação de furto o processo não logrou êxito em comprovar ter a coisa sido subtraída ou perdida pela pseudovítima. Num outro exemplo, menciona a hipótese em que o laudo encartado nos autos ou a prova testemunhal não comprova ter havido conjunção carnal afirmada pela vítima de estupro ou no caso de corrupção de menores.[10]

Nessa hipótese permite-se a responsabilização no juízo cível, muito embora tenha ocorrido absolvição na esfera penal. 

Assim, se o processo penal não conseguiu comprovar a existência do fato por não haver provas suficientes, o que não significa que tal fato não tenha existido, mas que, simplesmente, não restou comprovado, é possível a responsabilização civil do agente, desde que produza provas eficazes.  

4.1.3. NÃO CONSTITUIÇÃO DO FATO EM INFRAÇÃO PENAL  

O artigo 67, do CPP, estabelece que:

Art. 67.  Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Sabe-se que, se o fato for um atípico penal, ou seja, não constituir um ilícito penal, nada impedirá que seja ele considerado um ilícito civil, dadas as peculiaridades da jurisdição em sede penal e civil, já que a primeira tem por escopo a busca da verdade real.

Neste sentido decidiu o TJPR:                

APELAÇÃO CÍVEL – DANOS MORAIS – OFENSA À HONRA CONFIGURADA – CULPA RECONHECIDA – INDENIZAÇÃO DE VIDA – APURAÇÃO DO QUANTUM – FIXAÇÃO EQUITATIVA – SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. […] 2 – A absolvição do primeiro requerido na esfera criminal, não tem o condão de modificar a conclusão inequívoca de culpa dos réus na esfera civil. Primeiro, porque a sentença absolutória com fulcro nos artigos 386, III e VI, do Código de Processo Penal, não faz coisa julgada no cível, ex vi dos artigos 66 e 67, III, do mesmo diploma legal. E ainda que assim não o fosse, é de se observar que o elemento subjetivo do tipo, para o delito de denunciação caluniosa, é o dolo direto, ou seja, a vontade livre e consciente de imputar falsamente a terceiro, a prática de crime, tendo ciência da inocência. Já para o reconhecimento da responsabilidade civil, a lei se contenta com a culpa, ainda que leve, do agente, cuja conduta resulte prejuízo a outrem, assegurando-lhe o direito à indenização correspondente. 3 – A fixação do montante devido a título de dano moral fica ao prudente arbítrio do Juiz, devendo pesar nestas circunstâncias, a gravidade e duração da lesão, a possibilidade de quem deve reparar o dano, e as condições do ofendido, cumprindo levar em conta que a reparação não deve gerar o enriquecimento ilícito, constituindo, ainda, sanção apta a coibir atos da mesma espécie. [11]

Portanto, mesmo que o fato atribuído ao agente não tenha sido considerado crime pela sentença penal, não impede a propositura da ação cível.

4.1.4. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE TER O RÉU CONCORRIDO PARA A INFRAÇÃO PENAL 

Hipótese prevista no art. 386, IV, do CPP, e na alínea “c” do art. 439, do CPPM.

Trata-se de hipótese em que não há comprovação de que tenha o réu executado o crime ou ao menos participado dele.

Assim, em razão de que no direito penal vige o princípio do in dúbio pro reo, o juiz criminal o absolverá quando estiver diante dessa hipótese.

Nessa circunstância, porém, não significará irresponsabilidade civil, que poderá ser devidamente apurada.

4.1.5. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE EXCLUA O CRIME OU ISENTA O RÉU DE PENA

Essa hipótese, prevista no art. 386, V, do CPP, e na alínea “d” do art. 439, do CPPM, implica também absolvição do agente acusado da prática do ilícito penal, já que ele se vê respaldado por circunstâncias que excluem o crime ou o isentam de pena.

Nessas modalidades, diante da situação fática, não haverá responsabilização civil, pois, o art. 65 do CPP, assevera que que fará coisa julgada no cível a sentença criminal que venha a reconhecer ter o ato sido praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

A regra, portanto, determina que, se a sentença absolutória for motivada em causa excludente de antijuridicidade, não haverá reparação do dano, salvo em casos nos quais a lei civil assim determinar.

Contudo, o inciso V, do art. 386 do CPP, possui uma série de peculiaridades quando se trata de saber quais são seus reflexos na área cível. 

Assim, subsistirá responsabilidade em indenizar a vítima nas ocasiões em que esta não tiver sido considerada culpada pela situação de perigo. 

4.1.6. INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO 

Essa hipótese, está prevista no art. 386, VI, do CPP, e na alínea “e” do art. 439, do CPPM, conquanto raras são as sentenças proferidas com base nesse inciso, já que em primeiro lugar, o juiz, na análise dos fatos, adequará a absolvição em um dos incisos anteriores. [12]

Para Fernando Capez:

Mencionando que o rol do art. 386 não é taxativo. Exemplifica dizendo que, na hipótese de restar comprovado que o acusado não foi o autor do fato, hipótese não contida no rol, comumente, o magistrado absolve com base no art. 386, inc. VI; complementa dizendo que a melhor opção seria o alargamento da hipótese do inciso I, tendo em vista os reflexos na justiça civil.[13] 

Em todo o caso, os supramencionados dispositivos consagram o preceito do in dubio pro reo.

4.2. SENTENÇA CONDENATÓRIA

Pela análise do art. 935, do Código Civil, a responsabilidade civil é independente da criminal, mas essa independência é mitigada, visto que decidido no juízo penal a existência do crime e o seu autor, sobre tal fato não mais caberá discussão.

Assim, se na instância penal houver a comprovação do ato ilícito, não mais haverá necessidade, nem interesse, de se colocar a matéria em discussão novamente na esfera civil, pois, se o fato constituir infração penal, também figurará como ilícito civil. Resta, portanto, saber se houve dano e qual será o seu valor. 

José de Aguiar Dias leciona que: 

A decisão criminal condenatória não só tranca a discussão no cível como, já agora, nos termos do art. 65 do Código de Processo Penal, tem força executória, reduzindo a simples operação de liquidação em atribuições do juízo civil. Bem entendido, a execução só pode ser dirigida contra quem figurou na ação penal ou seu sucessor. Quando o responsável civil, isto é, a pessoa que deve reparar o dano, é outro que não o infrator, o autor material do delito, a sentença de condenação não tem rigorosamente, o mesmo efeito. Mas o responsável há de ser demandado diretamente, o que acontece, por exemplo, no caso de preposto condenado no juízo criminal.[14]

O art. 91 do Código Penal faz menção aos efeitos genéricos da condenação, sendo certo que o caput e o inciso I prescrevem: “São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. 

Nota-se que a obrigação de indenizar é decorrente, portanto, da norma, tratando-se de um efeito genérico da sentença e, diferentemente dos efeitos específicos previstos no art. 92 do Código Penal, não haverá necessidade que seja declarada na sentença condenatória, porque decorre da própria lei, responsabilizando o agente a responder civilmente por sua conduta danosa.  

Desse modo, nos termos do art. 63 do CPP e do art. 515, VI, do Código de Processo Civil, considerar-se-á como título executivo judicial a sentença penal condenatória.

4.3. CONSIDERAÇÕES

O art. 935 do Código Civil brasileiro assevera que:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.[15]

Por outro lado, é de se trazer a lume as disposições do art. 66, do CPP, que assevera:

Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. (grifamos/destacamos)

Evidentemente, uma decisão judicial que não aprecia o mérito, ou que ainda está passível de recurso, ou de novo pedido de abertura de inquérito, pelo surgimento de novos elementos indiciários, conforme preconiza o art. 18 do CPP, não é apta a obstar a busca da reparação de dano no juízo cível.

No mesmo sentido, ainda, é o art. 67, do CPP, que estabelece:

Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II – a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III – a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Na realidade, não existe na jurisdição uma independência ou uma interdependência absoluta, já que um mesmo fato poderá sofrer responsabilização tanto na esfera criminal quanto na esfera civil, concomitantemente, com reflexos administrativos, para os servidores públicos.

E é de se ressalvar que o inciso IV do art. 386 do CPP, que absolve o réu pela negativa de autoria, foi inserido no ordenamento pela lei nº 11.690/2008.[16]

Antes disso, o magistrado absolvia o agente na causa de não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, que era prevista no inciso IV, e depois ficou consignado no inciso V, o que nem sempre constitui circunstância que repercute na esfera administrativa disciplinar.

Sobre o tema Trigueiros Neto e Marcelo Valdir Monteiro lecionam:

Uma sentença absolutória de inexistência de prova do fato ou de inexistência de prova da participação do réu no fato permite o ajuizamento de ação cível, que, durante o seu trâmite, conta com sistema de provas bastante diferente do exigido no processo penal.[17]

Cabe destacar, também que no CPPM há análoga disposição no art. 439, alínea “d”.

Assim, da dicção do art. 66, ao lado do art. 67, III do CPP, verifica-se que é possível o ajuizamento de ação cível vislumbrando a reparação de dano, ainda que o juízo criminal tenha reconhecido a inexistência material do fato, nos termos do art. 386, I, do CPP, com análoga disposição no art. 439 “a” do CPPM, porquanto é mitigada, na prática, as disposições do art. 935, do Código Civil.

E, também, não resta dúvida quanto à possibilidade de ajuizar ação cível buscando indenização quando houve a condenação, acaso o juízo não tenha, conforme previsão do art. 63 do CPP, na sentença, condenado o réu a reparar o dano, o que se constituiria em título executivo, conforme disposição do art. 515, VI, do CPC.

5. EFEITOS DA SENTENÇA PENAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA

Como regra geral tem-se que quando no bojo de um procedimento administrativo a administração se depara com indícios de crime, obrigatoriamente deve remeter os autos à justiça, com o objetivo de se dar vistas ao Ministério Público para a apreciação da respectiva ação penal, sob pena de prevaricação (CP, art. 139; CPM, art. 319).

E, uma vez recebida a denúncia, instaura-se um processo penal, sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, com oportunidades de produção de provas, tanto para a acusação como para a defesa.

O Poder Judiciário, representado por um magistrado, ou pelo Conselho de Sentença/Justiça no caso dos crimes militares, dá o seu veredito pela procedência ou não da acusação.

A esse respeito disso Mauro Roberto Gomes de Mattos, pondera que:

Apesar das instâncias serem independentes, não resta dúvida de que na órbita penal existe maior rigor técnico na apuração do cometimento de atos capitulados no código repressivo.[18]

Obviamente, por ser mais técnica, e por conter a figura dos custus legis, e por atuar sob o império do in dubio pro reo, é maior a probabilidade, ao menos teoricamente, da justiça condenar injustamente.

Portanto, a depender da sentença poderá ter repercussão na seara administrativa.

5.1. A FALTA DISCIPLINAR E O CRIME

Luis Flávio Gomes afirma que “não existe diferença ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa”.[19]

Partindo-se dessa premissa, então, pode-se afirmar que a falta disciplinar e o crime são elevados à categoria de fato jurídico, sem distinção qualitativa entre um e outro.

Na prática, pois, o que hoje, conforme o princípio da legalidade o Congresso Nacional considera falta disciplinar, amanhã, pode erigir esse ilícito administrativo ao status de crime, já o ordenamento também sofre continuas mutações.

Entretanto, a apuração de ambos os ilícitos, ocorre em esferas diversas da Administração Pública, estando o servidor sujeito a imposição de penas cumulativas sem incorrer no princípio do non bis idem.

Com efeito, o art. 125, da nº Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas, estabelece que:

Art. 125.  As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si. [20]

Deflui-se, dessa norma federal, que as esferas são independentes entre si, porquanto podem haver sanções cíveis e penais, pelo mesmo fato, como regra geral.

5.2. TRAÇOS DO JULGAMENTO ADMINISTRATIVO

Na esfera administrativa, o processo disciplinar, via de regra, é realizado por servidores estáveis, do mesmo órgão a que está vinculado o acusado, cuja decisão faz a coisa julgada administrativa, a menos que se descubram novos fatos, que possam enseja um pleito de revisão.

Para Cretella Junior:

“O julgamento administrativo, consubstanciado no processo administrativo, desenvolve-se, muitas vezes, em ambiente de tensão, carregado de paixões, faltando-lhe a necessária serenidade para apreciação valorativa dos fatos”.[21]

É evidente, que o julgamento na esfera administrativa é menos confiável do que o julgamento judicial, pois naquela esfera sequer há a participação do Ministério Público, como custus legis, e as pressões políticas ou corporativas podem pesar sobre a decisão, ou, até mesmo dos superiores hierárquicos do acusado.

Sobre o assunto Maria Izabel Pohl Grechinski assevera que:

No sistema atualmente adotado no Brasil, verifica-se o cometimento de inúmeras ilegalidades, arbitrariedades e abusos, onde os problemas se iniciam como dito alhures, na formação dos componentes de uma sempre frágil Comissão Disciplinar, destituída de especialistas com saber jurídico/doutrinário que, portanto, promove uma apuração/investigação na maioria das vezes inconstitucional, falha, incorreta, ineficaz, e pouco eficiente, de maneira precária e quase sempre destituída de rigor jurídico/doutrinário.[22]

                        Por essas razões, é que as esferas penal e administrativa gozam de autonomia relativa para, fundamentadamente, decidirem de formas divergentes, conquanto não se pode olvidar que ao Poder Judiciário é facultado exercer o controle de legalidade dos atos administrativos, e anulá-los quando eivados de vícios.

5.3. ACOMUNICABILIDADE ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA

É consabido que quando ocorre um crime impõe-se à esfera penal o poder/dever persecutório, que se dá com a instauração do procedimento investigatório, seguido do devido processo legal, que culmina com a Sentença, que poderá ter repercussão na seara administrativa.

Analogicamente, o mesmo ocorre na seara administrativa, que também tem o poder/dever de instaurar o devido procedimento, que termina com a decisão do Chefe, Comandante ou Diretor, mas, a contrário senso, a decisão administrativa não repercute na seara penal, salvo o seu dever de remeter os autos à competente autoridade jurisdicional, ao constatar indícios de crime, porquanto a autonomia da administração não é absoluta.

Neste sentido, vale citar a lição de Melo Couto:

Deve haver entre as instâncias um entendimento que permita alcançar a verdadeira justiça, o que nem sempre acontece quando se defende uma autonomia absoluta que só prevalece quando mal compreendida a independência das jurisdições. [23]

Portanto, a decisão prolatada pela autoridade disciplinar encerra uma etapa meramente administrativa, sempre apreciável pelo Poder Judiciário, como alhures narrado, no seu controle de legalidade.

5.4. AREPERCUSSÃO DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA

Conforme alhures narrado, no Brasil tem-se como regra geral a independência das esferas penal e administrativa, mas na prática, conforme alhures narrado, não existe na jurisdição uma independência ou uma interdependência absoluta, pois o Poder Judiciário tem o poder/dever de interferir no ato administrativo viciado.

Ainda, é de se ressalvar que a inserção do inciso IV ao art. 386 do CPP, que absolve o réu pela negativa de autoria, trouxe mudanças consequências também para a seara administrativa.

Por isso, firmou-se o entendimento, inclusive jurisprudencial de que “são independentes as instâncias penal e administrativa, só repercutindo aquela nesta quando se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de autoria”.[24]

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. INOVAÇÃO EM SEDE DE REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. POLICIAL MILITAR. EXPULSÃO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. RECONHCEIMENTO  DA INEXISTÊNCIA DO DELITO. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. REINTEGRAÇÃO. A absolvição criminal, quando restar provada a inexistência do fato ou a não-autoria imputada ao servidor, repercute no processo administrativo, afastando a sua responsabilidade na esfera administrativa. 2. Mostra-se inviável a apreciação, em sede de agravo regimental, de questão nova. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido.[25]

RMS. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. FATO INEXISTENTE. SENTENÇA CRIMINAL. ART. 386, I – CPP. 1- A absolvição na forma do art. 386, I, do Código de Processo Penal, através de sentença criminal transitada em julgado, impede tome a instância  administrativa por base aqueles mesmos fatos, reputados inexistentes, para  sancionar pretensa falta residual, ainda que estejam eles tipificados na legislação local como aptos a ensejar a pena de demissão. Incide a letra do art. 1.525 do Código Civil. 2 – RMS provido.[26]

Tais lições do STJ comprovam que o juízo criminal, quando absolve o réu, negando a existência do fato, ou negando que o servidor seja autor ou partícipe no ato infracional a si imputado, cria reflexo imediato para a instância administrativa, fazendo, inclusive, cessar demissão, se ocorreu pelos mesmos fatos.

Outra causa absolutória que repercute na seara administrativa é a prevista no inciso VI, (antigo inciso V) do art. 386, do CPP, consistente por “existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”.

Neste caso repercute desde que em consonância com o artigo 65 do CPP que declara:

Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

O Código Civil, no art. 188, inciso I, coadunando-se com o entendimento acima definiu que “não constituem atos ilícitos os praticados em legitima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

Neste sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. LICENCIAMENTO. ADMINISTRATIVO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. LEGÍTIMA DEFESA. EFEITOS. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CRIMINAL. 1. Absolvido o autor na esfera criminal, o lapso prescricional quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, tem como termo a quo a data do trânsito em julgado da sentença penal e não o momento do ato administrativo de licenciamento. 2.  A decisão penal repercute no julgamento administrativo quando esta ocorre sentença penal absolutória relacionada aos incisos I e V do art. 386 do Código de Processo Penal. 3.  Tento de vista (in sic) que o autor foi absolvido na esfera penal por legítima defesa, e o ato de licenciamento foi fundado unicamente na prática de homicídio, não há motivos para manter a punição administrativa, pois a controvérsia está embasada unicamente em comportamento tido como lícito. 4. Recurso ao qual se nega provimento. [27]

Decidiu o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo:

DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR. EXPULSÃO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO PROVIDO. A inicial acusatória no processo administrativo deve descrever as circunstancias fáticas (ações ou omissões) e respectivos dispositivos legais (tipificação) administrativo-disciplinares, não se confundindo com os pressupostos constantes da denúncia Ministerial ofertada pela concomitante prática de crime pelo autor. A absolvição na seara criminal, por não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal, deve repercutir no âmbito administrativo, vez que o crime cometido foi o fato ensejador do ato administrativo, levado a efeito com a expulsão do autor. E, em consequência, a nulidade do ato administrativo. [28]

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO leciona que a decisão penal que reconhece a ausência de culpabilidade repercute no julgamento administrativo disciplinar do servidor público, ao proclamar que:

Repercutem na esfera administrativa as decisões absolutórias baseadas nos incisos I e V; no primeiro caso, com base no art. 1.525 do Código Civil e, no segundo, com esteio no artigo 65 do Código de Processo Penal.[29]

Portanto, a inexistência de prova de ter o réu concorrido para a prática de infração penal, para os tribunais superiores, constitui uma das modalidades de insuficiência de prova no processo penal, cujo efeito absolutório não adentra a seara administrativa, porquanto seus escopos são diversos e os meios de apuração independentes.

5.5.  SENTENÇA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL QUE NÃO APRECIA O MÉRITO

O art. 72, da Lei 9.099/95, estabelece que “na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.”

Isso, invariavelmente culmina na realização de um acordo, que não implica na resolução do mérito da questão.

Ocorre, que na prática isso tem gerado inúmeras controvérsias, inclusive com a eliminação de candidatos a concurso público, que fizeram a transação penal, nos termos do art. 72 da supramencionada lei.

Sobre o tema o Supremo Tribunal Federal decidiu:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. CANDIDATO. ELIMINAÇÃO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO CARATER CONDENATÓRIO. PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA LEGALIDADE. AS RAZÕES DO AGRAVO REGIMENTAL NÃO SÃO APTAS A INFIRMAR OS FUNDAMENTOS QUE LASTREARAM A DECISÃO AGRAVADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 26.10.2012. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que viola o princípio da presunção de inocência a exclusão de certame público de candidato que responda a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, II, da Constituição Federal, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária, prevista no art. 102 da Constituição Federal. As razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.[30]

Decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná:

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA SOLDADE DA POLÍCIA MILITAR. EXCLUÇÃO DO CERTAME NA FASE DE PESQUISA SOCIAL E DOCUMENTAL. ILEGALIDADE. TRANSAÇÃO PENAL REALIZADA EM TERMO CIRCUNSTANCIADO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ENUNCIADO Nº 07 DAS CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO. “Em concurso público, o fato de um candidato ter realizado anterior transação penal com base na Lei nº 9.099/1995, não enseja sua eliminação por inidoneidade moral à vista do princípio constitucional da presunção de inocência. RECURSO NÃO PROVIDO.[31]

Além disso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, através das Câmaras de Direito Público, editou o Enunciado n.º 07, aplicável ao caso em apreço:

ENUNCIADO 07: Em concurso público, o fato de um candidato ter realizado anterior transação penal com base na Lei n.º 9.099/1995, não enseja sua eliminação por inidoneidade moral à vista do princípio constitucional da presunção de inocência.”

Portanto, parece evidente, e não comporta mais delongas o tema, pois impor restrições a alguém, porque cumpriu a lei, ofende aos princípios constitucionais da legalidade e presunção de inocência.

5.6. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA POR MEDIDA DE SEGURANÇA

Consoante o entendimento predominante, a decisão absolutória penal, que reconhece um excludente de ilicitude repercute automaticamente na esfera administrativa-disciplinar.

Já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal a este respeito, quando do julgamento do MS 21029 pelo tribunal pleno, conforme se extrai da leitura do acórdão colacionado:

CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA – AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL – INFRAÇÃO DISCIPLINAR COMETIDA QUANDO EM ATIVIDADE – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA REVERSÃO AO SERVIÇO PÚBLICO – AUTONOMIA DA ESFERA PENAL E DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA – INSUFICIÊNCIA DE PROVA S – ALEGAÇÃO DE INIMPUTABILIDADE À ÉPOCA DOS FATOS – PERÍCIA MÉDICO-PSIQUIÁTRICA DESAUTORIZADORA DESSA ALEGAÇÃO – INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS INÚTEIS PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA – LEGITIMIDADE – MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A via jurisdicional do mandado de segurança não se revela meio processualmente adequado à indagação do estado de inimputabilidade penal do servidor punido, especialmente se as informações prestadas pela autoridade apontada como coatora – e que encontram fundamento em perícia médico-psiquiátrica idônea – evidenciam a plena capacidade de autodeterminação do agente público à época dos fatos motivadores do procedimento disciplinar.

– A cassação da aposentadoria constitui modalidade de sanção disciplinar que, prevista em lei, não depende, para efeito de sua imposição, de prévia reversão do servidor público aposentado ao serviço ativo. Trata-se de meio punitivo cuja aplicação, pelo Poder Público, pressupõe a existência de uma situação de inatividade do agente estatal, que se submete a essa sanção administrativa por haver praticado, quando em atividade, falta punível com a pena demissória. – O exercício do poder disciplinar pelo Estado não está sujeito ao prévio encerramento da persecutio criminis que venha a ser instaurada perante órgão competente do Poder Judiciário. As sanções penais e administrativas, qualificando-se como respostas autônomas do Estado à prática de atos ilícitos cometidos pelos servidores públicos, não se condicionam reciprocamente, tornando-se possível, em consequência, a imposição da punição disciplinar independentemente de prévia decisão da instância penal. Com a só exceção do reconhecimento judicial da inexistência de autoria ou da inocorrência material do próprio fato, ou, ainda, da configuração das causas de justificação penal, as decisões do Poder Judiciário não condicionam o pronunciamento censório da Administração Pública, Precedentes. – O mandado de segurança não constitui meio instrumental adequado à reavaliação dos elementos probatórios que justificaram a imposição da sanção disciplinar, especialmente quando essa análise, por implicar exame de matéria de fato controvertida, depender de comprovação documental inequívoca, sequer produzida pelo impetrante.[32]

Decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná:

DIREITO ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR.PROCESSO DISCIPLINAR. EXCLUSÃO. FAVORECIMENTO PESSOAL PARA TUTELAR FILHOS. ISENÇÃO DE PENA.COMPROVAÇÃO DA INIMPUTABILIDADE. EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. AUSÊNCIA DE TRANSGRESSÃO MILITAR. a) Nota-se dos autos que a conduta do Apelante não caracterizou transgressão disciplinar militar, porquanto agiu com a finalidade de proteger seus filhos da perseguição policial (instinto paterno), devendo ser excluída sua culpabilidade, nos termos do parágrafo 2º do artigo 348 do Código Penal (favorecimento pessoal). b) Constata-se, ainda, que o Apelante foi acusado no processo disciplinar de possuir em sua residência (2) dois revólveres “Taurus cal. 38”, com a numeração de série suprimida. Todavia, por este fato, a sentença criminal absolveu sumariamente o Apelante, considerando que as Leis números 11.706/08 e 11.922/09 afastaram, provisoriamente, até 31 de dezembro de 2009, a tipicidade das condutas de possuir armas de fogo. c) E, tratando-se de sentença penal absolutória que exclui a tipicidade da conduta, deve haver repercussão na instância disciplinar, de modo que não caracteriza transgressão militar. d) É bem de ver, ainda, que restou provada a inimputabilidade do Apelante, já que é portador de “Esquizofrenia Paranoide”, não podendo responder por transgressão militar, ante a ausência de culpabilidade no seu comportamento. e) Nessas condições, não é justo que a Administração Pública imponha a pena de exclusão a Militar que tenha agido dentro de um comportamento tido, no âmbito jurídico, como lícito. 2) APELO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. [33]

Neste sentido, destaca-se Mauro Roberto Gomes de Mattos:

Assim, uma vez decidido pelo juízo criminal de que não houve crime contra a Administração Pública, e não havendo resíduo que justifique a punição administrativa, prevalece a decisão judicial, mesmo porque cabe ao Poder Judiciário resolver a existência de crime. Ademais, como instância revisora dos atos extrajudiciais, cuja decisão final prevalece como versão definitiva dos fatos, o Poder Judiciário é o único garantidor dos direitos das pessoas, de modo a pacificar litígios. Não há nisso violação ao princípio da independência das instâncias.[34]

Portanto, não restam dúvidas de que repercutem na seara administrativa a sentença penal, imprópria, que reconhece a inimputabilidade do réu.

5.7. QUANDO A SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA NÃO REPERCUTE

Nesse ponto, a doutrina e a jurisprudência majoritária reconhecem que não haver prova da existência do fato (inciso II) e não existir prova suficiente para condenação (inciso VII, antigo VI) constituem causas que não fazem coisa julgada na instância administrativa.

O argumento evocado comumente é o de que muitas vezes não existe prova ou ela é insuficiente para sustentar um édito condenatório no processo penal, mas isso não impede que reste conduta não enfrentada na sentença absolutória, com base na qual o processo disciplinar se amparou para punir o funcionário faltoso.

Aliás, essa conclusão se alicerça na Súmula 18 do STF, cujo teor dispõe que “pela falta residual não compreendida na absolvição pelo Juízo Criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.[35]

Com efeito, a norma penal prevê condutas típicas, sendo que todos os seus elementos se encontram expressamente definidos em lei, ao passo que as faltas disciplinares, são atípicas ou típicas moderadas, em face dos deveres e obrigações éticas, a que os respectivos agentes públicos estão sujeitos.

5.8. CONSIDERAÇÕES

Os limites da repercussão da sentença absolutória na esfera administrativa, baseados na inexistência do fato ou negativa de autoria, hodiernamente não realizam satisfatoriamente os desejos de um direito.

A divergência de decisões entre o processo judicial e o administrativo, leva o jurisdicionado ao sentimento de injustiça e descrédito na atuação do Poder Público.

Não se aceita, atualmente, que seja uma garantia exclusivamente aplicada em matéria penal, o princípio constitucional do estado de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de que “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória.”[36]

Nesse sentido, inclusive, decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CAPITULAÇÃO DOS FATOS COMO CRIME. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL POR AUSÊNCIA DE PROVA DOS FATOS, SENTENÇA ABSOLUTÓRIA DA QUAL NÃO HOUVE RECURSO. REPERCUSSÃO NA ESFERA CÍVEL. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE RESÍDUO PARA PUNIÇÃO. REEXAME DOS FATOS PELO JUDICIÁRIO. QUESTÕES RELEVANTES QUE A COMISSÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR NÃO LEVOU EM CONSIDERAÇÃO. ENDOSSO DE CHEQUE. INEXISTÊNCIA. PRESSUPOSTO EQUIVOCADO QUE EMBASOU A MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE DO ATO. I – Estando caracterizado que a demissão do Servidor Público deu-se por ato que configuraria ilícito, não só Administrativo, mas também penal, e uma vez absolvido ele no Processo Penal por inexistência de prova dos fatos, impõe-se considerar essa circunstância na esfera cível, visto que a conclusão do juízo criminal corresponde, em verdade, a autêntica negativa de autoria, pois o que não é provado é tido legalmente como incorrido. II – Segundo abalizada doutrina, ontologicamente, os ilícitos penal, administrativo e civil são iguais, pois a ilicitude jurídica é uma só. “Assim não há falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto do ilícito penal” (Cf. Nelson Hungria “Ilícito Administrativo e ilícito penal” RDA, seleção histórica, 1945-1995, pg.15). III – O judiciário pode reexaminar o ato administrativo disciplinar sob o aspecto amplo da legalidade, ou seja para “aferir-se a confirmação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais de Direito” (Seabra Fagundes, “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, pg. 148 e segs) e, para isto, é imperioso que examine o mérito da sindicância ou processo administrativo, que encerra o fundamento legal do ato, podendo verificar se a sanção imposta é legítima, adentrando-se no exame dos motivos da punição. IV – Resultando das provas dos autos, que são as mesmas produzidas no Processo Administrativo disciplinar e no processo criminal, que o ato de demissão do servidor público carece de motivação compatível com o que se apurou, ante a ausência de elementos probatórios dos fatos imputados a ele, revela-se inválido o ato administrativo, mesmo porque a Comissão de processo Disciplinar partiu de um pressuposto equivocado, que seria endosso do cheque que não existiu. V – Apelação e remessa necessária improvidas.[37]

          Outro acórdão neste sentido, que estendeu os efeitos absolutórios da decisão penal, mesmo com base em insuficiência ou falta de provas:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE PROVAS. EFEITOS SOBRE A ESFERA ADMINISTRATIVA. EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. 1. Pacífico o entendimento de que somente a absolvição criminal fundamentada na negativa da autoria ou da existência de crime faz, automaticamente, coisa julgada nas esferas cível e administrativa. 2. Entretanto, é possível que elementos revelados ao longo do processo penal possam evidenciar a ilegalidade da demissão do servidor, ainda que resulte, afinal, em mera absolvição por ausência de provas, pois, ainda que inexistente o aludido efeito automático da decisão criminal, não se pode desconsiderar, peremptoriamente, fatos que poderão vir a influenciar no controle jurisdicional do ato administrativo. 3. Logo, inequívoco que o prazo prescricional para a pretensão revisional do ato demissionário deva ser iniciado com o trânsito em julgado da decisão absolutória, qualquer que seja o seu fundamento. 4. A sistemática utilizada na EBCT no controle dos valores recebidos exigia que as importâncias entregues ao tesoureiro acusado fossem precedidas de recibo nos livros contábeis próprios desta Empresa. Não verificado o recebimento das faturas, inexistindo o devido registro, não há como concluir ser o servidor o autor da infração. 5. Ademais, fatos como a dúvida quanto ao próprio valor tido como desviado e a ausência de diligências administrativas no sentido de descobrir se as faturas foram ou não quitadas vêm a infirmar a condenação do servidor, ante à inexistência de qualquer motivo concreto, além do simples exercício do cargo de tesoureiro, que viesse a apontá-lo como o autor da infração. Cumpre, portanto, reconhecer a ilegalidade de sua demissão. 6. Descabimento da retroatividade dos efeitos da anulação do ato demissionário ao momento da suspensão preventiva do agente público, tratando-se de mero procedimento administrativo cautelar. – Execução das quantias vencidas na forma do art. 730 do CPC, cumprindo, por outro lado, ser procedida a imediata implantação e pagamento da pensão da Autora. 7. Correção monetária incidente desde quando devidas as parcelas face ao caráter alimentar das prestações. 8. Tratando-se a reintegração de reconhecimento da ilegalidade da demissão, os juros de mora são devidos desde a publicação no órgão oficial do ato administrativo que a efetivou. Remessa Necessária e apelo da União Federal improvidos. Parcial provimento ao recurso da parte autora.[38]

Atribuindo repercussão no âmbito administrativo, ainda que por absolvição com supedâneo em insuficiência de provas para condenação, também decidiu o Tribula Regional Federal da 3ª região:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. LOTERIA. PERMISSÃO. CANCELAMENTO. APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS. SUSPEITA DA  PRÁTICA DE CONTRAVENÇÃO PENAL. MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA PENAL  ABSOLUTÓRIA.
TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. O serviço público delegado para a exploração das loterias
administradas pela Caixa Econômica Federal deu-se através de permissão. O posterior cancelamento compulsório da permissão e a
apreensão de equipamentos pautaram-se na  suspeita de que o
representante legal da  impetrante praticava contravenção penal (realização de apostas do chamado “jogo do bicho”). 2. No caso, a sentença penal julgou improcedente a pretensão
punitiva contra o sócio gerente da casa lotérica, diante da
ausência de elementos capazes de gerar a sua condenação,
absolvendo-o, com fundamento no art. 386, VI, do CPP. Muito embora
tal absolvição  não tenha repercussão na esfera administrativa, não há como deixar de reconhecer que a improcedência da  ação penal acabou por afastar o motivo que serviu de sustentáculo à apreensão
do equipamento e ao cancelamento da permissão pela Caixa Econômica Federal. 3. O ato administrativo, ainda que discricionário, uma vez
motivado, fica vinculado a tais motivos, na  medida que estes
conferem o fundamento de validade do próprio ato. Aplicação da
teoria dos motivos determinantes. 4. Remessa oficial improvida.[39]

A essa altura, percebe-se que não se trata de ingerência do Poder Judiciário na autonomia do Executivo, pois o que se verifica é a tendência de maior repercussão da sentença penal na esfera administrativa, o que nos parece mais justo, em razão de décadas de vivência como Servidores Públicos, e, também, operadores do direito.

Portanto, uma decisão judicial que absolve o réu por insuficiência de provas para condenação e que, por exemplo, afaste o dolo do fato, goza de muito mais credibilidade do que um processo administrativo disciplinar que reúna “provas” de que o agente agiu dolosamente.

CONCLUSÃO

O presente artigo foi idealizado com o propósito de demonstrar os reflexos da sentença penal, e penal militar, nas esferas cível e administrativa, à luz do ordenamento pátrio, doutrina e jurisprudência.

Para ancorar o trabalho, iniciou-se fazendo uma conceituação de sentença, prevista no art. 381 do CPP (Código de Processo Penal), com análoga disposição no art. 438 do CPPM (Código de Processo Penal Militar), para se concluir que, quanto a sua natureza jurídica, é um ato de jurisdição, pelo qual o juiz põe fim ao processo.

Em seguida tratou-se dos requisitos da sentença penal, também com base no CPP (art. 381) e CPPM (art. 438), cujos requisitos impostos pela norma, se não observados pelo juízo, culminarão com a nulidade da sentença por falta de formalidade essencial, conforme preceito do art. 564, IV, do CPP e art. 500, IV, do CPPM, com a ressalva de que no Juizado Especial Criminal, nos termos do art. 81, § 3º, da lei 9.099/95, é dispensado o relatório.

A partir daí buscou-se abordar todos os tipos de sentença penal, e penal militar, absolutórias, previstas nos artigos 386 do CPP e 439 do CPPM, e condenatórias, previstas nos artigos 387 do CPP e 440 do CPPM, respectivamente.

Os efeitos da sentença penal no cível, mereceram uma seção à parte, na qual se chegou à conclusão que o art.  935 do Código Civil brasileiro deve ser interpretado ao lado dos artigos 66 e 67 do CPP, o que representa que, na prática, não há na jurisdição uma independência ou uma interdependência absoluta.

Com efeito, o mesmo fato poderá sofrer responsabilização tanto na esfera criminal quanto na esfera civil, concomitantemente, e refletir na administração, não restando nenhuma dúvida quanto à possibilidade de ajuizar ação cível buscando indenização quando houve a condenação, acaso o juízo criminal não tenha condenado o réu a reparar o dano, conforme previsão do art. 63 do CPP, o que se constituirá em título executivo, nos termos do art. 515, VI, do CPC.

Por fim, dedicou-se uma seção para tratar dos reflexos da sentença penal na seara administrativa, para se concluir que, não obstante a independência das instâncias, há maior rigor, e técnica processual, na seara judicial, motivo pelo qual merece maior respeito a decisão judicial, que vincula a administração nos casos previstos expressamente em lei (inexistência material; negativa de autoria; excludente de ilicitude).

No entanto, a jurisprudência pátria se inclina no sentido de fazer valer na seara administrativa outras decisões absolutórias, numa interpretação extensiva da norma, o que parece salutar, já que muitas injustiças se têm perpetuado na seara administrativa, sobretudo nos meandros dos quarteis, onde, via de regra, o processo é apenas um meio para se chegar à sanção.

Sem a pretensão de esgotar o tema, pode-se dizer que se chegou ao que se pretendia, na medida em que se abordou todos os pontos propostos, com as devidas fundamentações e conclusões, ressalvando-se que o direito é uma ciência em contínuo desenvolvimento, pelo que se crê que se deu a devida contribuição acerca do tema proposto aos operadores do direito, servidores públicos, e à sociedade.

REFERÊNCIAS

________. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no Ag 678.609/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma.

________. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Fernando Gonçalves, ROMS nº 10654/SP, 6ª Turma.

________. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 448.132-PE (2002/0082805-0), Min. Rel. Paulo Medina, DJ de 19.12.2005

________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. TP – MS 22.438 – Relator Ministro Moreira Alves – j. 20/11/97 – RTJ 166/171.

________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal.  ARE 754528 AgR/RJ, 1ª Turma Relatora: Min. Rosa Weber, 1ª Turma, julgado em 20/08/2013, DJe-172. Publicação: 03-09-2013.

________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal MS 21029, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, Ementa Vol-01759-02 PP-00366.

________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, sumula nº 18.

________. BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

________. BRASIL. Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969.

________. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro 1995.

________. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

________. BRASIL. Lei nº 11.690, de 09 de junho de 2008.

________. BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

________. BRASIL. Constituição Federal de 1988.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros. 1992

COUTO, MELO. Da Responsabilidade do Servidor Público. RDA 37/510-511.

CRETELA JUNIOR, José. Prática do Processo Administrativo. 6ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

DE MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Direito Administrativo e Direito Penal, Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público. São Paulo, Editora Forense, 1998.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987.

GOMES, Luis Flávio. Responsabilidade Penal Objetiva e Culpabilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária. RIOBJ nº 11/95.

GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006.

GRECHINSKI, Maria Izabel Pohl. Do Julgamento Político dos Processos Administrativos Disciplinares e da Necessidade de Uma Justiça Administrativa Disciplinar Especializada Brasileira. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP. Rio de Janeiro, v. XVIII, 2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 468.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Sentença Criminal. Disponível em: <http://www.femparpr.org.br> Acesso em: 16/07/2016.

JUNIOR, Nelson Nery. Comentário ao Código de Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

TRIGUEIROS NETO, Arthur da Motta. VALDIR MONTEIRO, Marcelo. Comentários às recentes reformas do Código de Processo Penal e Legislação Eextravagante Correlata. Rio de Janeiro: 1ª ed. Editora Forense. São Paulo: Editora Método, 2008.

________. PARANÁ. TJPR. A. C. nº 0370246-3. 10ª Câmara Cível. Relator: Juiz de Dto. Subst. em 2º Grau Vitor Roberto Silva. Publicação: 17/11/2006. DJ:  7244.

________. PARANÁ. TJ-PR – REEX: 13380957 PR 1338095-7 (Acórdão), Relator: Nilson Mizuta. Publicação: DJ: 1537 31/03/2015.

________. PARANÁ. TJPR – 5ª C. Cível – AC – 1319948-1 – Curitiba – Rel.: Carlos Mansur Arida – Rel. Desig. p/ o Acórdão: Leonel Cunha – Por maioria – J. 28.04.2015.

________. RIO DE JANEIRO. TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed. Antônio Cruz Netto, AP. Cível nº 283714, 2ª T., DJ de 3.09.2003.

________. RIO DE JANEIRO. TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed. Sérgio Feltrin Corrêa, AP. Cível nº 158972, 2ª T., DJ 17.01.2002.

________. SÃO PAULO. TJM-SP, Apelação Civil nº 561/2005, (Processo de origem 3890575600 – 12ª Vara da Fazenda Pública).Juiz Rel. Avivaldi Nogueira Junior.

________. SÃO PAULO. TRF – 3ª Região, Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida, REOMS nº 224.390, 6ª T., DJ 27.08.2007.


[1] Advogado, com Graduação em Direito pela UNICURITIBA (2007), Especialização em Direito Público pela UNIBRASIL (2008), Escola da Magistratura Federal do Paraná (2010); é Graduado, ainda, no Curso de Formação de Oficiais pela APMG (1994), Letras pela FAFIPAR (2000); e fez Especialização em Língua Portuguesa e Literatura pela FAFIPAR (2001). e-mail: tenjorge@hotmail.com.

[2] SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Sentença Criminal. Disponível em: <http://www.femparpr.org.br> Acesso em: 16/07/2016, p. 01.

[3] Idem.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 733.

[5] JUNIOR, Nelson Nery. Comentário ao Código de Processo Civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.109.

[6] BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

[7] BRASIL. Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969.

[8] BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro 1995.

[9] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 9ª ed. São Paulo: Malheiros. 1992, p.123.

[10] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 468.

[11] TJPR. A. C. nº 0370246-3. 10ª Câmara Cível. Relator: Juiz de Dto. Subst. em 2º Grau Vitor Roberto Silva. Publicação: 17/11/2006. DJ:  7244.

[12] MIRABETE, Julio Fabbrini. Idem, p. 469.

[13] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.427.

[14] DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987, p. 964.

[15] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

[16] BRASIL. Lei nº 11.690, de 09 de junho de 2008.

[17] TRIGUEIROS NETO, Arthur da Motta. VALDIR MONTEIRO, Marcelo. Comentários às recentes reformas do Código de Processo Penal e legislação extravagante correlata. Rio de Janeiro: 1ª ed. Editora Forense. 2008, p. 133.

[18] DE MATTOS, Mauro Roberto Gomes.Direito Administrativo e Direito Penal, Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público. São Paulo, Editora Forense, 1998, p. 424/425.

[19] GOMES, Luis Flávio. Responsabilidade Penal Objetiva e Culpabilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária. RIOBJ nº 11/95, p. 3.

[20] BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

[21] CRETELA JUNIOR, José. Prática do Processo Administrativo. 6ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 145.

[22] GRECHINSKI, Maria Izabel Pohl. Do Julgamento Político dos Processos Administrativos Disciplinares e da Necessidade de Uma Justiça Administrativa Disciplinar Especializada Brasileira. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP. Rio de Janeiro, v. XVIII, 2005, p. 443.

[23] COUTO, MELO. Da Responsabilidade do Servidor Público. RDA 37/510-511.

[24]STF. TP – MS 22.438 – Relator Ministro Moreira Alves – j. 20/11/97 – RTJ 166/171.

[25] STJ. AgRg no Ag 678.609/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma.

[26] STJ. Rel. Min. Fernando Gonçalves, ROMS nº 10654/SP, 6ª Turma.

[27] STJ, Resp. 448.132-PE (2002/0082805-0), Min. Rel. Paulo Medina, DJ de 19.12.2005

[28] TJM-SP, Apelação Civil nº 561/2005, (Processo de origem 3890575600 – 12ª Vara da Fazenda Pública). Juiz Rel. Avivaldi Nogueira Junior.

[29] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, págs. 536 e 537.

[30] STF. ARE 754528 AgR/RJ, 1ª Turma. Relatora: Min. Rosa Weber, julgado em 20/08/2013, Publicação: 03/09/2013.

[31] TJ-PR – REEX: 1338095-7. Relator: Nilson Mizuta, Data de Julgamento: 17/03/2015, 5ª Câmara Cível. Publicação: DJ: 1537 31/03/2015.

[32] STF. MS 21029, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno. Ementa: VOL-01759-02 PP-00366.

[33] TJPR – 5ª C. Cível – AC – 1319948-1 – Curitiba – Rel.: Carlos Mansur Arida – Rel. Desig. p/ o Acórdão: Leonel Cunha – Por maioria – J. 28/04/2015.

[34] GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. p. 759.

[35] Supremo Tribunal Federal, sumula nº 18.

[36] BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de  1988.

[37] TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed. Antônio Cruz Netto, AP. Cível nº 283714, 2ª T., DJ de 3.09.2003, p. 178.

[38] TRF – 2ª Região, Rel. Des. Fed. Sérgio Feltrin Corrêa, AP. Cível nº 158972, 2ª T., DJ 17.01.2002.

[39] TRF – 3ª Região, Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida, REOMS nº 224.390, 6ª T., DJ 27.08.2007, p. 395.

Por Dr. Valmir Jorge Comerlatto

Advogado, com Graduação em Direito pela UNICURITIBA (2007), Especialização em Direito Público pela UNIBRASIL (2008), fez a Escola da Magistratura Federal do Paraná (2010); é Graduado, ainda, no Curso de Formação de Oficiais pela APMG (1994), em Letras pela FAFIPAR (2000); e fez Especialização em Língua Portuguesa e Literatura pela FAFIPAR (2001).
e-mail: valmir@comerlatto.adv.br whatsapp: 41 9 9793-3000

Deixe uma resposta